JORNAL LUMMUS

LIECHTESTEIN, 08 de agosto de 2018.

Torneio Tribruxo – (in)glória estudantil.
Hogwarts mantém viva a tradição do evento mais desejado pela sociedade bruxa ocidental.
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Os séculos se passam, mas a tradição em realizar um dos eventos mais “importantes” do mundo bruxo ocidental ainda perdura: o famoso Torneio Tribruxo. Com a premissa de angariar a glória eterna para o vencedor da competição entre três das maiores escolas nortenhas do globo terrestre, o acontecimento ocorreu esse ano na escola escocesa, Hogwarts, e contou com a participação da comissão de Beauxbatons e Durmstrang.

Para tratar desse assunto, no entanto, se faz necessário explorar seu contexto histórico. Isto é, elucidaremos aqui o motivo de se criar esse vínculo social entre os três institutos escolares.

O Torneio Tribruxo teve sua primeira realização no final do séc. XII, meados do séc. XIII, com o intuito de conectar as três maiores organizações educacionais do mundo bruxo ocidental. Entretanto, como se trata de uma competição que planeja três tarefas que atestem honra, coragem e inteligência dos participantes escolhidos, não há como se ignorar o teor militarizado do torneio. Questiona-se, então, se o real objetivo do Tribruxo é oferecer interação entre as três escolas.

Para além desse detalhe, os documentos ministeriais, livros e referências históricas não deixam de confirmar: o risco ao qual se coloca um alunado nesse tipo de atividade é extremamente alto – para não se dizer desnecessário.

Em 1792 ocorreu mais um Torneio Tribruxo, sediado em Hogwarts, e que culminou no cancelamento (in)definitivo da elaboração de outras edições. A motivação era simples: um basilisco, utilizado para a realização da prova, devia ser capturado e, enquanto não era aprisionado, causou a destruição do castelo, colocando em risco a vida de crianças que não eram escolhidas como campeãs (além dos próprios professores, funcionários e da comissão das escolas convidadas).

Houveram movimentações políticas que valorizassem a existência do torneio, mas o ministério parecia abusar de certa sensatez ao barrar tal prática.

Os anos mais recentes mostram que, atualmente, a política exercida no mundo mágico ocidental é de extrema inconsistência. Apenas no séc. XX foi-se possível reviver o torneio, sob a desculpa de que “tratava-se de um evento culturalmente fortificante, cujo calão é de extrema significância para os colegiados tradicionais.”¹ Essa preocupação, no entanto, não parece levar em consideração trabalhos e pesquisas nas áreas histórica e social da magia quanto à cultura bruxa.

Whisp, em seu livro intitulado “Quadribol Através dos Séculos”, relata a existência de um esporte cujo intuito era coletar pedras caídas de uma altura considerável, enquanto que o bruxo voa em sua vassoura (Racha-Crânio). Essa prática esportiva, no entanto, foi abolida devido à sua alta periculosidade. Vê-se, portanto, que certos esportes e práticas não necessariamente precisam voltar para manter a “tradição” do mundo bruxo em dia.

Sob desculpa de diferença do evento cancelado a partir do séc. XVIII e revivido pouco mais de 200 anos depois, surge a escolha através da idade. Os campeões alunados podem se inscrever a partir do sexto ano de vida acadêmica, o que significa dizer que apenas os mais velhos conseguiriam se inscrever. Isso não quer dizer peneirar os motivos antecessores que fizeram do Torneio Tribruxo um perigo para a população estudantil (sejam alunos, sejam educadores), mas apenas mascará-los para seguir adiante com uma ideia que devia pertencer apenas à história.

A glória prometida aos campões, por exemplo, sobrevive tanto quanto os galeões de ouro fornecidos pelo ministério da magia – muito pouco. Em uma enquete realizada no campus de Hogwarts, poucos foram os alunos que conseguiram citar os campeões de suas escolas na penúltima edição. Mais ainda, apenas 10% dos alunados lembravam-se dos ganhadores da competição que se deu em 2010, quando o evento ocorreu no Instituto Durmstrang. Isto é, a glória de que tanto se fala nada mais é que uma promessa infundada. Em um evento que ocorre a cada quatro anos, como se poderia manter viva a memória de seus campeões? Portanto, podemos concluir que trata-se de uma estratégia para cegar seus seguidores de verem quanta movimentação política ocorre por baixo dos panos. O verdadeiro pão e circo.

Outro fator que faz do Torneio Tribruxo uma competição desumana é a utilização de animais mágicos e não-mágicos para um propósito infundado – se já se sabe que a glória é curta (e não eterna, como promete a propaganda enganosa), para qual motivo, por exemplo, se aprisionaria dragões com o intuito de maltratá-los, apenas para coletar ovos que as fêmeas acreditam ser suas crias? Pufosos foram usados para percorrer uma ilha, coletando objetos brilhantes dos competidores apenas para dificultar o nível do jogo dessa útima edição. Sabe-se, porém, que estudantes mais velhos conhecem mais de magias perigosas; é conhecido também que um dos institutos educacionais permite práticas questionáveis, com carcaças de animais, sacrifícios ritualísticos, entre outros. É de se imaginar, então, que a atração seja prejudicial para a fauna mágica e não-mágica.

O risco físico e psíquico a que se submetem os jogadores e seus espectadores também é alto. Os alunos lidam com desafios que fogem do que é pedagogicamente positivo e recomendado. Enfrentar trasgos, enfrentar-se em duelos, lidar com um ser mágico alto, musculoso e que representa um perigo a qualquer um, são as provas que fazem várias crianças pequenas e desatentas vibrarem de emoção (isso para citar as provas das últimas competições). O troco que se recebe é amargo, no entanto, e poucos parecem realmente preocupados com isso.

Os estudantes que assistem e vibram, aliás, são fomentados desde muito cedo a visualizar aquele evento como “um dos mais importantes da sociedade bruxa”. É uma reprodução desenfreada de um discurso montado e disseminado por um seleto grupo de “entendedores”. O irônico é que, mesmo após tantos trabalhos realizados, mesmo após movimentações históricas que comprovam a desnecessidade da existência de tal competição, os “entendedores” optem por manter a prática, alimentando crianças pequenas com a vaga ideia de “glória eterna”, avisando brevemente sobre os riscos, sem que elas consigam entender a que concordam até o momento em que o fazem.

A autonomia que a educação deveria fornecer aos estudantes, portanto, é esquecida. Já não é uma questão de pesar os pormenores, compreender as entrelinhas, mas sim angariar a tal glória, conquistar um objetivo socialmente imposto por personalidades irresponsáveis – afinal, maioria das escolas utilizam dos meios pedagógicos arcaicos para ensinar seus alunados, o que significa dizer que não são, portanto, fornecidas ferramentas que permitam a autonomia, mas sim que moldem o corpo discente àquilo que se espera dele.

O Torneio Tribruxo mostra-se, enfim, um evento inglorioso, que pauta todas as imperfeições mascaradas em uma sociedade bruxa que não pensa na humanidade dos feiticeiros, mas sim na tradição – tradição deixada para a história, contestada, mas que, de algum modo, mostra-se interessante para um seleto grupo de pessoas das quais as intenções pouco conhecemos.

¹Documentos ministeriais do Departamento de Esportes, assinados pelos respectivos ministros e oficiais do ano de 1990, arquivados na biblioteca nacional mágica de Liechtenstein na sede do Ministério da Magia.


Escrito por: Olla Arendse.

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19/10/2017 às 21:22:45

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