Cody estava ansioso o dia inteiro. Não só porque era véspera de natal e a casa estava uma zona com suas irmãs e pais correndo com enfeites, pratos e ingredientes de um lado para o outro, mas, também, porque o jovem havia convidado seu melhor amigo e a família para passarem a data com eles, ali, na casa velha dos Perrault. No fundo, estava com medo dos comentários das antecessoras e assustado com a possibilidade dos progenitores não se darem bem com os pais de Nicolas, todavia, eram Rimbaulds afinal. Só a menção do nome fez o pai do loiro sorrir de ponta a ponta das orelhas. Como escritor, era grande fã do autor e se animou com a possibilidade de ter seus descendentes em casa. Tudo estava saindo bem até demais. A noite, os enfeites estavam prontos, pendurados pelas já elas, nas portas e paredes, a mesa posta com jogos de jantar temáticos em verde, branco e vermelho, e toda a comida havia sido organizada de forma que, ainda que não fosse um mundo de fartura, houvesse bastante diversidade. Cody tomou um banho demorado, usou o perfume que tinha ganhado no natal passado e raramente sentia a necessidade de fazê-lo. Colocou uma camisa de botões cor de vinho e calças jeans escuras, com os sapatos tão polidos que chegavam a brilhar. Ao sair, topou com Merope, uma das gêmeas, já toda enfeitada em seu vestido de paetês brancos. A loira analisou o irmão dos pés à cabeça e alargou um sorriso idêntico ao dele. - Uau... Parece mesmo que você está ansioso. - Apesar do tom divertido que ela usou, as bochechas do morrigano queimaram. Ele não tinha se arrumado por conta de Nico, tinha? Não, não podia ser isso. Estava grandinho, um homem crescido, já podia se vestir bem sem que ninguém o ajudasse... Não era por causa de Nicolas... Não era. Antes de poder vencer - ou não - a batalha interna que travava contra si, o som da campainha fez todo o ar de seus pulmões escapar de uma vez. Estavam em casa... Os Rimbauld chegaram! Cody desceu correndo as escadas, quase tropeçando nos degraus e bateu contra as costas da porta, respirando pesadamente. Quando se recompôs, girou a maçaneta. Os lábios apertados indicavam seu nervosismo. A primeira coisa que viu, em meio à neve, foram os olhos azuis feito miosótis do amigo, os únicos que, inexplicavelmente, ele amava. O restante da família não era nada como ele imaginava. A mãe, o pai e o irmão do outro pareciam saídos de um livro sobre como ter a família perfeita. Nada como a dele. - Que bom que você veio... - Não era capaz, naquele momento, de esconder o sorriso ou a euforia. - Entrem, por favor. É um prazer conhecê-los, todos vocês!
Cody fez uma reverência perfeita e cordial. De todos os descendentes de Perrault, ele era o único que ainda parecia estar vivendo em outra época. Quando a movimentação da sala foi detectada, Marie, a mais nova, desceu as escadas vestindo um terno masculino de corte moderno, porém, nada condizente com a beleza angelical de seu rosto juvenil. Tinha treze anos e era transsexual , sentia-se menino e queria ser menino. Para Cody, aquilo já não era mais novidade, todavia, tinha medo de ser para os Rimbauld. - Essa é Marie, a mais nova das minhas irmãs mais velhas. - Cordialmente, a garota sorriu, porém, sem mostrar muito interesse, passando direto pelas coisas que elas traziam e buscando carregar as mais pesadas, a fim de demonstrar sua força. O menino fez o mesmo, pedindo que eles se acomodassem nos sofás da pequena sala de madeira, próximo a lareira que crepitava em chamas dóceis e esperassem um pouco. Adeline, a primogênita, saiu da cozinha com uma bandeja repleta de canecas de chocolate quente e cerveja amanteigada. Deixou, como a boa anfitriã que era, que os visitantes escolhessem suas bebidas, para só então depositar o restante delas em cima da mesa, já posta. Então, os pais de Cody desceram com as outras quatro filhas, cada uma estupidamente linda, fazendo o menino se sentir bastante pequeno. Mérope o olhou assustada, abaixando perto dele quando chegou perto e sussurrando: - Ei, pequeno, faça uma apresentação formal. - O loiro deu um pulo, envergonhado por sua deselegância. Pigarreou e, com um passo a frente, deixou que sua voz fluísse quase que melodiosa.- Perraults, esses são os Rimbaulds de quem tanto falei. A família de meu melhor amigo, também morrigano, Nicolas Rimbauld. Espero que tenhamos uma ótima noite. - O Pai sorriu ao perceber que estava diante de uma família literária como a dele e logo iniciou uma conversa com o chefe da outra família. As mães e meninas se entenderam e sobraram apenas os rapazes. Era óbvio que as que tinham idade para tal, principalmente Mayana que era mais atirada, estavam de olho no irmão mais velho do primeiranista. Jean era bem bonito e alto, coisa que elas gostavam. Cody se aproximou do clube do bolinha e sussurrou para Nico. - Parece que a minha irmã gosta do seu irmão. - Mas, não era da morena de grandes olhos azulados de quem ele falava.
Já os de Cody giraram impacientes em seus tons de lilás habituais. Nico era tão certinho e não entendia nada, nunca. - Estava falando do Jean... Hope na tira o olhos dele. - Era curioso... A corvina tinha fama de séria e rabugenta, mas, mantinha um sorriso alvo no rosto sardento. Nunca tinha visto a irmã assim. Geralmente, ela era a vítima encarnada, agora, mais parecia uma predadora. - Talvez o seu irmão tenha algo a ensinar a ela. Hope nunca aproveitou muito da vida, talvez ele possa ajudar... - O morrigano olhou para o lado, percebendo se alguem observava e deixou um sorriso tímido acompanhar sua próxima frase. - E seria bom passar um tempo sozinho com você. - O morrigano corou levemente. - Complicada? Hope não tem nada de complicada, pode ser um calmante pra ele. - E piscou, rindo em cumplicidade com o amigo. Daí, virou para Jean e o cutucou, ignorando completamente a expressão arrogante que ele lhe lançou.
- Então, Jean... É Jean, né? - Parecer displicente era sua marca registrada. - Sabe aquela ruiva bonita ali? O nome dela é Hope e ela não para de te olhar. Talvez, devesse ir dizer oi, assim, quem sabe, com boa companhia, essa noite se torne aceitável pra você?! - E, fazendo isso, o jovem Perrault lançou sua bomba e saiu correndo. Puxou Nico para fora, segurando firme em seu pulso e o levou para os fundos da casa, passando pela porta da cozinha que dava para o jardim, totalmente coberto pela neve. Ali, depois do muro de pedra, estava a floresta: sua floresta. - Você quer conhecer um lugar legal antes do jantar?
Aquela afirmativa fez o rosto do francês se iluminar. Desde que planejara o Natal com Nico e sua família, tudo o que pensou foi em apresentar o amigo a sua árvore especial, o espírito do tataravô que o guiava. - Eu quero te mostrar algo que nunca mostrei a ninguém. - Sem soltar o pulso dele, guiou o outro Morrigano pela floresta por poucos minutos. A neve cobria a trilha, mas, havia feito esse caminho tantas vezes que não tinha como se perder. Em instantes, a árvore branca rompeu no horizonte, ainda mais majestosa do que antes. O loiro desacelerou o passo e ficou vidrado pela beleza daquele ser. No centro, as cavidades disformes formavam um rosto parecido com o de Charles Perrault. - Essa é árvore de que te falei. Nico, Charles Perrault. Vovô, esse é o meu melhor amigo.
Se existiam estágios para a felicidade, Cody atingira o mais alto deles naquela noite. Estar em sua floresta, diante da árvore do tataravô, na presença de Nico que era a pessoa mais importante em sua vida atualmente, podia ser simplificado como o momento de maior ápice da vidinha pacata e sem luxos do Perrault. - Eu sei que ele não responde, mas posso dizer que está feliz com você aqui. Ele não conheceu Rimbauld, está honrado em conhecê-lo. - O Francês sorria feito bobo, sua mão sem soltar a de Nico como se fizesse o mais naturalmente possível. Ele a apertou levemente para certificar que não era um sonho e ele estava ali mesmo. - Quer apostar corrida na volta? Você é do clube de esportes, não é? - Uma risada alta ecoou entre as árvores. - Já devem estar nos esperando para a ceia.
Quando Nico perguntou se ele tinha fome, o francês riu novamente. - Muita fome... - Brincou. Não percebia como essa frase poderia parecer dualista em alguns anos, mas, como tinha apenas onze, sabia que o amigo entenderia o que quis dizer. Preparando-se pra correr, contou até três e disparou ao lado de Nico. A sincronia era tamanha que os rapazinhos não saiam um ao lado do outro, equiparando-se. Tudo bem, Cody tinha a vantagem de conhecer a Floresta, mas, ele facilitaria se o moreno parecesse cansado. Faria qualquer coisa por ele. - Sente só esse cheiro! - Era o aroma da torta de amoras da mãe, sua preferida. Quando chegaram ao muro do jardim, Cody parou para tomar fôlego, compartilhando de um sorriso maroto com o morrigano, um gesto que dançou por seus lábios carnudos. - Vamos entrar! Devem estar esperando por nós! - Assim que atravessaram a porta, todos os olhares se voltaram aos dois. Marie era a única que tinha um brilho malicioso em sua face, como se visse algo que mais ninguém percebia. O que poderia ser? Cody se perguntava, mas, na ausência de retóricas do cérebro, apenas sentou à mesa com Nico, observando a mãe servir a todos com gentileza e precisão. - Estava brincando na árvore de novo? - A mulher ruiva perguntou. Suas grandes orbes azuis pairavam sobre o cocoruto loiro do filho, mas não havia maldade em sua voz. - Sim, mamãe. Eu queria mostrar ao Nico o meu esconderijo.