[ Sala dos Troféus - Hogwarts ]
[ Junho, 2015 ]
Os olhos escuros corriam pelas prateleiras repletas de histórias contadas através de troféus e nomes gravados, os quais por vezes calhavam de soar curiosamente familiares à mente de Kamille. Raras haviam sido as vezes em que ela, ao longo de seus sete anos como estudante de Hogwarts, visitara aquele lugar, contudo, fora ali que, dias antes, Andrew decidira ser o ponto ideal para que conversassem após o baile de formatura. Por que ali? A corvina não sabia. Sobre o quê? Conhecendo o curioso vizinho, a resposta disso era mais do que óbvia: os acontecimentos do baile que, só de lembrar, faziam a mestiça ter sincera vontade de rir. Afinal, a noite anterior ainda parecia muito surreal, fosse pelas ações daquele que havia sido seu par, fosse pelas dela própria.
“Mills?” – e ante a voz que se erguia, a morena se curvou para fora do caminho de prateleiras no qual se encontrava, sorrindo para o inglês que logo se aproximou com uma expressão divertida e um cansaço notável por trás das lentes dos óculos – “Não é por nada não, mas como melhor amigo acho que tenho a liberdade de dizer que, pela sua cara, alguém teve uma noite muito boa ontem.” – observou com quê de malícia que fez a companheira de casa sorrir, inabalável.
“Foi uma noite incrível. Você mal imagina.” – concordou com um sorriso de canto que fez a expressão de Drew se alterar para uma incrédula e surpresa – “E acho que o mesmo posso falar de outro alguém. Ainda que no seu caso seja melhor eu não saber os detalhes sórdidos.” – observou com um olhar de soslaio que fez o moreno rir alto.
“Você me conhece tão bem.” – afirmou, divertido – “Mas e aí, o que aprontou ontem? Parece que você nem dormiu – e baseado no meu conhecimento sobre a sua pessoa, estou acreditando que não foi pelo mesmo motivo que o meu.” – disse com um sorri cheio de significado.
“Dormi uma ou duas horas, apenas.” – concordou a inglesa, suspirando – “Passei quase toda a madrugada ouvindo e ajudando nos planos futuros da Sophy.” – acrescentou, abrindo um sorriso carregado de significado para o moreno que, por sua vez, arqueou as sobrancelhas.
“Ele pediu? Ontem?” – um aceno positivo por parte da mestiça – “E ela?” – um sorriso mais enfático ante a obviedade da resposta – “Aí, garoto!” – exclamou, dando um tapa na própria mão – “Preciso achar esse escocês maldito. Não sabia que aquele maluco ia fazer o pedido de noivado justo no baile.” – afirmou, indignado. Por um instante Kamille sentiu sincera vontade de comentar que talvez a ideia fosse justamente que nem ela, nem Drew, nem qualquer um dos amigos de Yan ou Sophy soubesse, justamente devido à falta de discrição de todos. Meneou a cabeça.
“Depois ele te contará tudo, provavelmente.” – comentou com calma, cruzando então os braços – “Agora, porque você me fez prometer que estaria aqui às seis horas da manhã seguinte ao baile, Spencer?” – questionou com um olhar fixo no rosto do moreno que imitou a pose da amiga, elevando uma sobrancelha.
“Por que você acha, Dernach?” – replicou o moreno com um sorriso de canto, o qual foi devidamente retribuído por um sorriso inocente – “Ora, Mills. Eu uso óculos, mas não sou cego. Vi você toda sorridente com o sonserino bonitão durante o baile.” – alegou com um revirar de olhos – “Como foi? – E não venha me dizer que ‘não aconteceu nada’ porque te conheço melhor que isso.” – alegou, sentando-se ao lado de um troféu particularmente grande, dando duas batidas no espaço ao lado de si – “Agora desembucha ou vou passar o resto da vida te contando detalhes sórdidos que farão você ficar mais vermelha que o nariz da Sophy no frio.” – garantiu, fazendo a corvina suspirar e se sentar ao lado do moreno.
“Sei que é desnecessário, mas por precaução... Você promete nunca mencionar nada do que eu disser aqui, nem usar isso contra quem quer que seja?” – questionou com um olhar sério, vendo o moreno erguer a mão.
“Prometo e só não meto um voto perpétuo no meio disso porque não manjo dessas magias que metem a vida em jogo.” – garantiu com ar solene, dando um leve empurrão na mestiça – “E agora para de enrolar que você sabe que se for zoar alguém vai ser você, não o Badgley.” – afirmou, revirando os olhos. Kamille sorriu, respirando fundo antes de começar. Ao longo dos minutos, conforme colocava pela primeira vez os acontecimentos, ou pelo menos uma boa parte deles, em palavras, internamente a corvina começou a perceber o quão real era tudo o que havia ocorrido na noite anterior e o quanto se passara dentro de si. Sensações inexploradas, complexas e conflitantes, tudo de uma só vez.
“Então...” – disse Drew enquanto retirava os óculos para limpá-los, carregando na face uma expressão quase indiferente – “...você e Charles, enfim.” – sentenciou, colocando os óculos para fitar à amiga que assentiu, sorrindo levemente sem graça – “Hah.” – e um sorriso largo se abriu na face do inglês – “Demorou mais do que eu esperava.” – afirmou, divertido, fazendo a morena piscar, confusa – “Eu já disse várias vezes que te conheço melhor do que você mesma, Mills, não era nem é brincadeira.” – alegou com um olhar carregado de significado.
“Às vezes eu esqueço o quão bom com ‘enigmas’ você é.” – comentou a morena, conformada. Os olhos escuros então fitaram aos arredores, levemente perdidos. Na mente aguçada, pensamentos variados e hipóteses que surgiam junto da realidade recém adquirida de tudo o que acontecera na noite anterior.
“Um galeão por seus pensamentos.” – e os olhos negro-azulados se voltaram para os azuis-esverdeados que a fitavam com aquele aspecto típico de quem estava pronto para ser o bom amigo que de fato era.
“Ainda é tudo muito estranho.” – murmurou Kamille em um tom baixo e confuso – “Eu...” – uma pausa, acompanhada de um respirar profundo – “Eu tenho esse costume de tentar cercar todas as possibilidades, por assim dizer.” – disse, vendo o moreno assentir, afinal, ele conhecia aquele lado da Dernach muito bem – “Então, eu nunca te disse isso, mas muito antes daquele sonho-que-não-era-sonho acontecer, eu tinha, em certo momento, imaginado em como seria um futuro com você, Drew.” – confessou, notando que aquela pequena revelação realmente surpreendeu o amigo – “Não foi algo proposital, talvez um reflexo do meu inconsciente percebendo seus sentimentos, mas o fato é que aconteceu, assim como aconteceu quando percebi a atenção de Saw.” – sentenciou com um suspiro, notando no franzir de cenho do amigo, a incompreensão de onde ela queria chegar.
“No entanto... Isso nunca aconteceu com Charles.” – disse com um leve fechar de olhos – “Antes do baile, antes de ouvir tudo o que ele tinha a me dizer eu nunca sequer cogitei a possibilidade de ter o que quer que fosse com ele. Eu nem mesmo posso dizer que confiava nele, para ser sincera.” – sentenciou, fitando às próprias mãos – “Então, de repente, eu percebo agora que no calor do momento eu simplesmente dei o endereço da minha casa sem pegar nenhum contato dele e que daqui a pouco vamos voltar para Londres onde, sei lá, talvez nunca mais veja nem ele nem ninguém.” – sentenciou com uma nota de desespero no tom, algo seguido de um respirar fundo – “Eu acho que ...”
“Mills.” – chamou o Spencer, pousando a mão sobre o ombro da mestiça. Os olhos negro-azulados giraram e viram no rosto do inglês um sorriso divertido, algo que, para Kamille, trazia a sensação de que ele estava esperando por aquilo – “Vem comigo.” – disse, levantando-se com um salto antes de estender a mão para a amiga, fazendo-a também se erguer – “Lembra lá nos nossos primeiros anos, quando a gente conversava sobre Hogwarts e você me dizia que ‘não via nada além de uma vida normal de estudante’?” – e a morena assentiu com um sorriso levemente nostálgico – “E lembra da época em que você comentou que fez o teste para o time Corvinal, mas ‘não achava que ia entrar’?” – um novo aceno positivo, acompanhado de um leve franzir de cenho.
“Pois bem.” – disse Drew, parando de repente – “Aí está o resultado da sua ‘vida normal de estudante’ e do seu ‘não entrar’ no time de quadribol.” – afirmou, apontando para uma sequência de troféus visivelmente mais novos e que, sob os dizeres ‘Campeonato de Quadribol’, traziam em si o nome ‘Ravenclaw’. Um sorriso genuíno se abriu no rosto da Dernach, enquanto o olhar passeava pelas conquistas e a mente pelas memórias daqueles dias, de cada um dos rostos que haviam passado pelo time da qual fora responsável por anos a fio, dos momentos junto dos novos e velhos companheiros. Por alguns minutos ali permaneceu, em silêncio, contemplando, enquanto seu amigo limitava-se a se manter ao lado dela, observando.
“O fato é, Mills,” – e o olhar da inglesa se voltou para o puro-sangue – “você nunca pensou que teria alguma significância dentro da Corvinal, nunca pensou que seria monitora-chefe, monitora, jogadora e capitã de quadribol, mas isso não muda o fato de que, no fim, você foi.” – alegou com um olhar calmo – “Então você pode ter pensado sobre mim, sobre Sebastian e não ter pensado sobre Charles, pode não saber o que vai acontecer e não ter ideia do que esperar, mesmo tendo essa mente medonhamente perspicaz. No entanto, isso é normal, especialmente quando falamos de você pensando sobre você mesma.” – observou com um olhar cheio de entrelinhas que fez Kamille sorrir – “Você só terá certeza do que vai acontecer quando, de fato, viver – exceto se você possuir algum tipo de clarividência, o que não é o caso, acho.” – observou com um olhar desconfiado e brincalhão.
“É...” – murmurou Kamille após ponderar por alguns instantes com um suspiro – “Você tem razão.” – concordou, sentindo a tranquilidade retornar a si.
“Adoro quando você diz isso.” – alegou com um sorriso divertido, recebendo em troca um sorriso condescendente – “De qualquer modo.” – disse com descontração – “Apenas aproveite, sem se preocupar e o que tiver que acontecer, acontecerá – seja em relação ao sonserino bonitão, seja quanto à vida em si – e quando ocorrer, tenho certeza que você terá a capacidade plena de lidar com seja o que for, carregando esse seu sorriso eterno e insistente.” – afirmou, abrindo um sorriso largo – “E caso dê tudo errado, você sempre terá, como diz a maluca da Sté, seu ‘BFF’ para dar um ombro amigo ou um chacoalhão para a realidade.” – garantiu, pousando a mão no ombro da inglesa que fitou ao rosto de Andrew. Os traços amadurecidos, os olhos que continham aquela mistura curiosa de azul e verde e o sorriso típico e que sempre parecia pronto para aprontar alguma. O mesmo ‘garoto’ que de repente lhe surgira como sendo seu ‘vizinho’. Sorriu, dando um passo para tomar o amigo em um abraço repentino.
“Obrigada, Drew. Por esses sete anos, por me aturar dentro e fora de Hogwarts... Por tudo.” – sentenciou, sentindo o moreno retribuir o gesto e dar um leve beijo no topo da cabeça da inglesa. Um gesto fraternal, distante de todos os sentimentos que ele ou ambos pudessem um dia ter sentido. Uma despedida dos estudantes corvinos que haviam sido, a fim de abrir novas e desconhecidas portas para os bruxos adultos que seriam a partir dali.