– Mais um! – Gritei, deixando meu olhar pairar sobre toda a extensão do bar, um sorriso leve brincando em meus lábios enquanto o elfo doméstico corria para pegar um copo do líquido desejado. Sim, eu estava com sede, e não, não era de água. Ultimamente, whisky de fogo era uma de minhas melhores companhias – me ajudava a trazer coragem, agora que me mudei para a Europa com a intenção de jogar em um time muito mais internacional que o qual estava acostumada. Era uma mudança complicada, visto que só minha família conhecia minha condição de aborto, e muitas vezes me agarrava a inteligência e ousadia para sair de situações em que essa mesma condição seria reconhecida. – Valeu. – Fiz um gesto de ‘joinha’ antes de trazer o copo aos lábios, aliviada quando senti a garganta queimar, sabendo que o álcool fazia efeito com certa velocidade.
Quase nunca bebia, gostava de me manter sóbria principalmente em alta temporada, mas hoje era o dia de andar pelo Beco Diagonal. Tinha uma varinha funcional comigo, apesar de minha incapacidade, e alguns truques na manga… então, que mal faria conseguir algo mais para dar sorte? – Toma, uma gorjeta. Compra alguma coisa legal. – Pisquei, sem ter a menor noção se aquele elfo podia comprar alguma coisa ou, mesmo que pudesse, se iria. O dinheiro extra provavelmente pararia nas mãos de seu dono, mas o que eu podia fazer? Era assim que a vida funcionava. Elfos praticamente se escravizavam, segundo as próprias vontades, e viviam uma vida de servidão, enquanto eu, que nasci com todas as melhores possibilidades, precisava me esconder em plena luz do dia, correndo o risco de perder tudo a qualquer instante. Vida que segue. Não estava a fim de reclamar. “Melhor assim.” Pensei, virando todo o resto do líquido, passando a mão sobre os lábios para tirar quaisquer resquícios.
Quando saí de Hogsmead, Raegan não demorei muito para encontra ro caminho até o Beco. De fato, as complicações ali eram maiores em comparação ao que estava acostumada, uma vez que no Canadá não apenas tinha a ajuda dos meus pais, como também conhecia o local desde a infância. Mas sempre fui uma menina orgulhosa, querendo fazer tudo sozinha e provar que era capaz de me virar com ou sem magia, e isso ajudava bastante em situações como aquela: em meio a perguntas e direções erradas, fui capaz de descobrir a entrada para o local das lojas. Impressionei-me, como qualquer pessoa teria, precisando parar por alguns segundos apenas para perceber o que era aquilo. Aquela rua, enorme, cheia de coisas e opções distintas. “Loja de esportes, loja de roupas, móveis bruxos, o que mais…? Ah, alguns bares.”Os lábios curvaram-se para cima enquanto apontava com a varinha para cada local do mapa. Se tivesse magia, a marcação seria concretizada com o toque; como não tinha, aquele mapa já apresentava as marcações, mas poderia fingir. Caso algum bruxo me visse, pensaria que elas se criaram naquela hora.
“Tudo bem, é só seguir por aqui…” Como era de se esperar, não demorou muito para um acidente. Uma criancinha tropeçou em mim, e lá vamos nós colocar um sorriso, desculpar a pessoa, para então os pais perceberem que hey, era eu, Raegan Baldwin, e então dar autógrafo, tirar foto. Olha, eu até gostava da atenção, mas enchia o saco quando queria fazer uma coisa normal tipo… comprar móveis para minha casa! Tudo bem, era só respirar fundo, ver se encontrava mais whisky – será que meu corpo começou a se acostumar? Isso sim seria uma chatice. Depois disso, pelo menos, meu humor melhorou. Isso porque achei uma fileira de chapéus à venda, e foi divertido prová-los, mais ainda quando a dona da barraquinha me permitiu levar um de graça (comprei outro de cortesia, é claro). Também achei alguns óculos escuros, e a combinação dos dois ajudava. Bastante. Ou seja, podia sair na rua com um pouco mais de confiança que ninguém me perceberia ali nem me tomaria como Raegan.
Bom, foi isso que eu pensei. Estava claro que errei… só não pelos motivos esperados. “Masoquê?” Mais ou menos esse meu pensamento, em inglês, num sotaque canadense, no segundo em que uma pessoa parou a minha frente, começando a falar algo sobre estar me seguindo ou…? Arqueei uma das sobrancelhas na mesma hora, adotando uma postura um pouco mais defensiva, mas prestei atenção. Era uma gata, a mulher. Alta, negra, maior corpão, e tinha um dos cabelos mais legais daquele lugar, apostava. Foi então que eu percebi. “p*** que pariu!” Meus olhos quase saltaram, mas tentei me acalmar e puxei o óculos para frente, adotando uma pose de ‘que é?’. É claro que meus pensamentos eram bem diferentes. Aquela era Raizel! Raizel! Jogadora de quadribol, alguém que eu sabia por questões de conhecer possíveis futuras adversárias, mas não só isso… minha irmã a odiava! A odiava demais. Melhor ainda, elas tinham se beijado. Caramba, eu podia me divertir à vontade. O fato dela ser uma gata também era um belo de incentivo. Será que poderia considerar assédio? Bom, tanto faz.
Ok, vamos ser bem claros, eu pensei. Sou uma pessoa sensata, beleza? Tenho que ser, com o lance de esconder que sou um aborto, etc. Mas eu gostava de me divertir, oras! Já sofria com as milhares de mentiras e segredinhos, podia aproveitar as situações que a vida me dava para rir um pouco de tudo. Então, meus pensamentos foram para os ares quando eu percebi que A) tinha uma mulher muito gata que pensava me odiar e B) Eu adorava surpreender pessoas, nem sempre do jeito mais divertido ou honesto. Por isso, reuni meu senso de diversão e coragem, bastante impelidos pelo whisky, e fiz meu corpo ir para frente. Naquela altura, meu chapéu já estava para trás e havia retirado os óculos escuros… ou seja, dava para me divertir sem acidentes como bater o nariz. Isso mesmo, produção. Eu, Raegan Baldwin, aborto, gêmea de Aileen e uma pessoa meio bêbada que queria me divertir, terminei por beijar a arqui-inimiga de Al. A vida era mesmo divertida.
– Bom, agora eu entendo por que minha irmã te pegou. – Sorri, meio torto, porque conhecia minhas chances de levar um tapa. Não era só a aparência que explicava, também tinha a questão da postura extremamente altiva, dos lábios dela serem extremamente macios – será que ela cuidava de um jeito natural? – e… ok, não era o momento de pegar crush em ninguém. Por isso respirei fundo, mas com discrição, e fiz minha melhor imitação de uma pose completamente simples e relaxada, apesar da adrenalina correndo em minhas veias. – E aí, tudo bem? Sou a Rae. – Apresentei-me, ou semi me apresentei, não resistindo a uma piscadela básica. Ainda bem que não estava mais com o óculos, ou teria perdido metade da graça. Se bem que, talvez não, levando em consideração a expressão de surpresa, choque, frustração, raiva, tudo isso no rosto dela; olha só, eu beijo bem, beleza? Prefiro pensar que uma parte dela gostou, talvez até quisesse mais. E eu realmente preciso parar de pensar, nada de conseguir um crush super aleatório. Mas tadinha, ela ficou tão perdida! Até deu pena.
– Irmã. I - R - M - Ã. – Soletrei, levando em conta sua confusão. Poxa, Al nunca contou de mim? Eu era uma pessoa tão sensacional… e isso nem é brincadeira. Pensei que a arqui-inimiga dela a conhecesse o bastante para saber que Al tinha uma irmã tão maravilhosa quanto ela, também no campo de esportes. – Gêmea. Fraterna, na verdade, mas quando estou vestida assim eu pareço demais com a Al. – Expliquei, divertindo-me. Eu tinha um defeito num dos olhos, apesar de não atrapalhar a visão, e isso também servia como distinção; mas preferia que ela percebesse o detalhe por si só, talvez se prestasse atenção em minha aparência? Claro que eu preferia que ela prestasse atenção em minha aparência quando estivesse sem roupas, mas… ok, isso aqui tá caminhando pra um caminho perigoso. Parando, de novo. Pelo menos, podia focar nas reações dela: Com as bochechas coradas, ficada ainda mais fofa, o que significava ficar ainda mais gata. Stop. O lado bom da coisa toda é que estava à beira de um ataque de risos. Quem não estaria?
Contudo, como a adulta experiente e incrível que eu era, além de extremamente gostosa e atlética, fiz questão de puxá-la, com delicadeza, para longe daquele monte de gente. Queria mais privacidade pra falar com a jogadora de quadribol super gata que eu acabei de beijar… quem pode me culpar? – Desculpa, gata, é que falar no meio daquela gente toda não dá. – Falei, enquanto refletia sobre o que ela disse. Sim, poderia ser considerado assédio, e talvez não tenha sido a atitude mais racional da minha parte, mas o whisky realmente me afetava e, bom, eu queria me divertir! Droga, já era um saco não poder sair por aí fazendo magia como todo mundo… enfim, não vou ficar reclamando, muito mimimi pro meu gosto e da minha parte não quero não. – Gosto de pensar que sou mais legal que ela, sim. – Pisquei, ainda risonha. – Resumindo, eu sou a irmã da Al. Você a beijou, então eu a beijei, e não temos uma relação, só... um pequeno contato. Claro que, se você quiser, super topo uma noite ou duas, até relação a três, desde que não envolva minha gêmea, porque isso seria nojento. – Saiu, ok? Eu não conseguia me parar! Falava a verdade, oras. Super toparia algo com ela, na cama, na parede, na bancada de alguma cozinha de hotel, num campo de quadribol… ok, esse último não, a grama deveria doer. E duas ou três, quem se importa?
Ok, talvez ela se importasse. Eu sei, eu sei, minha irmã era a egoísta das duas (te amo, Al), mas eu roubava. Ou será que eu era a egoísta e pensava o contrário? – E eu sei que você gostou do beijo. – Completei, piscando, só para afastar os pensamentos de, você sabe, coisas que afetam a moral e os bons costumes. – Você correspondeu. – Então mostrei meu sorriso mais maroto, ainda bem tranquila. Não queria assustá-la, nem forçá-la a nada, por isso meu tom era relaxado; apesar das frases não serem das melhores, sabe como é, caso ela estivesse muito assustada.
Pausa aqui para pensar: Ela não beijou minha irmãzinha? Foi um mal entendido? Sério? Ah, que droga. Mas preferia não prestar tanta atenção assim. Quer dizer, já foi aquele beijo, né? Agora já era. – Espera… Você beijou, mas não beijou minha irmã? E agora que te beijei, isso pode ser considerado assédio? – Levantei uma das sobrancelhas, tentando fazer sentido de tudo. – Ok, beleza, com o último eu até concordo, e peço desculpas, mas… Sabe que eu adoraria te beijar outra vez? – Soltei. Era a mais pura verdade, oras. E todo o mais que já narrei anteriormente. Ok, vai ver eu estava mesmo ‘into’ ela, mas o que posso fazer? A gente não controla quem sente atração. – Olha, beijo é beijo. Selinho não conta, claro, a não ser que você goste da pessoa. Mas se houve correspondência… – Deixei no ar, também. Al não me contou muito dos detalhes do beijo, nem tinha perguntado, por causa da raiva dela e todo o resto. Sorri, então, com seu lado defensivo. Caramba, ela era gata demais, até assim (“Esse é o momento que eu paro de pensar”, fiz questão de me lembrar). Melhor partir para uma abordagem menos agressiva.
– Tudo bem… Sendo assim, eu sou a Raegan, mas pode chamar de Rae. – Sorri, cumprimentando-a com um aceno leve. – Eu também não costumo sair me oferecendo assim pra todo mundo, mas você é gata e está num time importante de quadribol. Só eu acho excitante beijar a inimiga? – Pisquei, outra vez prestando atenção nela, então na atração e… ai, droga. E se ela fosse daquelas que precisavam de um relacionamento pra ir pra cama? Putz, estaria totalmente ferrada. E tinha a leve certeza de que sim, pra ela odiar minha irmã. Eram sempre as puritanas que odiavam a Al (sem juízo de valor a elas, ok?, só dizendo). – Falando sério agora. – E falaria mais ou menos sério, porque sério era chato. – Não precisa ficar com raiva. A não ser que você converta essa raiva me jogando na parede, aí tudo bem… – Ok, eu precisava, não precisava? Suspirei, discretamente. Era meu jeito, honesto, sincero, direto até demais; ela era gata, gostosa, etc, etc, não preciso encher vocês disso, e eu era uma pessoa que me ligava muito a necessidades físicas. O que posso fazer? Mas também estava disposta a tê-la como amiga. Também, adoraria a cara da Al diante disso (aposto que ela sentia o mesmo).
– Tá bom, tá bom. – Suspirei, eu tinha razão do porquê ela odiava Al. Tudo bem, talvez ela fosse legal por razões distintas as quais estava acostumada com meus amigos. Quer dizer, ela não me estapeou até aquele momento, nem me expulsou, nem me xingou nem nada parecido, então ganhou vários créditos. Até então, eu não estava merecendo um abraço nem muito afeto. – Eu te assustei, não foi? Ok, me desculpa, parei com os comentários sexuais. De agora em diante, só na base da amizade. Posso te pagar um café como prova da minha mudança? – Ofereci, com um sorriso mais tranquilo. Ela podia odiar minha irmã e ser uma possível futura adversária em campo, mas a sério, eu era uma pessoa que tinha amizade com todos. Até porque, quem era eu a julgar? Escondia de todo mundo minha condição de aborto. Seria uma baita de uma hipocrisia não sair com alguém, ou não ser legal, por questões de julgamento. E eu estava interessada em Raizel. Oook, prometo não entrar num monólogo. – Então você fica comigo! – Sorri, abertamente, meu peito se revirando em felicidade com o positivo. Talvez fosse só o whisky.
– Muito prazer, gata. – E me afastei um pouquinho, só para o caso da proximidade estar sendo demais e, por algum acaso, um pouco agressiva. – Então podemos deixar o café para outro dia, shall we? – De verdade? Eu adoraria levá-la para um café, então um hotél (isso se não pagasse o café para ficar sem clientes e nos deixar sozinha). Mas eu estava semi bêbada, devia focar em minhas compras para acabar logo de ajeitar meu novo imóvel e, bom, eu sinceramente não queria ser agressiva com ela. Raizel parecia ser legal, eu era uma pessoa meio fodida… não achava justo sair com ela assim. Mas, pelo visto, ela talvez estivesse interessada, porque já saiu pedindo coisa minha de tecnologia trouxa… Eita! Será que eu errei? Será que ela gostou de mim? Será que podia surgir um crush também? Vou dizer, pela esperança nem farei qualquer comentário sobre camas ou hotéis. – Telefone, rede social, e-mail, você nomeia, eu tenho. Sinceramente, sempre preferi Skype pra ligações.... mais divertido. – Beleza, eu realmente precisava parar com os pensamentos de conteúdo sexual. Especialmente aqueles que envolviam web cams. Mas fato era, ela podia manter tanto contato quanto quisesse, até de um jeito inocente e fofo.
E foi aí que a coisa toda ficou muito estranha. Ela… me abraçou?! Eita. É claro que eu fiquei surpresa. Eita. Eita. Eita. Como assim? Caramba, será que eu fiz uma impressão tão boa? Para ela me dar um abraço? Eeeeita. Mas olha, isso nem era ruim. O mais impressionante? Eu aproveitei o abraço! Correspondi! De um jeito simples! Sem tentar nada demais nem pensar em coisa alguma. Caramba, será que ela estava tendo algum efeito anormal em mim também? – Você, er, costuma abraçar as pessoas que dão em cima de você? – Perguntei, sem perceber que tinha corado um pouco, vai saber o motivo. – Porque posso acabar quebrando a promessa para conseguir outro. – Adicionei, mais calma, afinal o susto passou, recuperando meu sorriso malicioso de sempre. Preferia assim. – Cidade do Cabo.. Eu disse, conta cara. Mas não tem problema. – Mostrei um sorriso mais relaxado, bem animado. Ela era tudo que já narrei e interessante. Morava na África? Caramba, e eu aqui me sentindo por ir do Canadá pra Europa. – Te vejo por aí, então? Ou você vai me dar uma deixa para que eu te acompanhe? Mas já deixo avisado que não conheço nada daqui. – Agora sim. Não queria forçá-la a me acompanhar, preferi uma abordagem leve.
E funcionou, olha só! Já tinha descoberto que ela gostava de mim, vide o abraço e a ‘confissão’ de que ela abraçava quem gostava (fica no ar a interpretação), e parecia mesmo ser uma pessoa legal. Não o legal com que estava acostumada, como já narrei, mais alguém interessante, bacana, etc. – Eu digo que sim. Sem beijo dessa vez. – Pisquei, prometendo, mas tinha toda intenção de quebrar. Pelo menos quando fosse me despedir. Clássico, não? Mas tinha a impressão que Raizel não era uma mulher para sair agarrando. Agora que sabia estar tudo certo, contornei-a, já pensando em onde poderia ir. Mas sua fala seguinte me chamou a atenção, fazendo-me soltar um sorriso confiante. Ahá! Eu sabia. Eu era gata e deliciosa demais pros outros e outras não gostarem… e um pouco confiante em excesso, mas tudo bem. – Eu disse que você gostou! – Apontei, rindo, completamente tranquila, os ombros relaxados e etc. – Vou dizer, sou muito boa de beijo, e de cama… acho que o quadribol ajuda. – Era algo natural de se falar, não era? Eu achava que sim. – Não sei, treino desde a infância, então nunca pude notar a diferença. – Será que ela também? Talvez. Ou talvez tivesse começado na adolescência, como a maioria dos profissionais por aí.
– Eu sou a modéstia em pessoa! – Reclamei, claro que não de verdade, ainda sorrindo. Aquilo era progresso! Ela fazendo piada, brincando, sendo sarcástica de um jeito amigável. Começamos a caminhar, e outra vez me vi rindo de algo que ela disse; bom, eu não poderia negar que ela beijava bem, muito menos que tinha atrativos que ficariam na mente de qualquer mulher… qualquer mulher inteligente, digo. – Raegan Baldwin, artilheira do Ballycastle Bats, eu espero, salvadora de dois outros times, excelente em magia e muito boa de cama. Viu? Sou a pessoa mais simples que existe. – Complementei, expondo meus ‘títulos’, claro que agora só zoando. Eu me amava e tudo o mais, mas sabia não ser a perfeição em pessoa; sério, metade do tempo eu falo as coisas brincando. – Seu beijo é ótimo, gata… Eu seria bem estúpida se negasse. Pena que não dá para perceber muito quando dura pouco. – Suspirei, como se fosse a maior tristeza do mundo, e era mesmo. Adoraria beijá-la outra vez. Joguei o cabelo para o lado, vai que isso me tornava mais seduzente também (adicionem risadas aqui)?
Sorri, então, de leve. Estávamos numa sorveteria. Bom. Não o que pensei, claro, pelo visto Raizel era bem mais inocente que a maior parte da população do sexo feminino, mas tudo bem. – Fruta. Morango, se tiver.. é meu sabor predileto. E você? – Inclinei-me, curiosa. Não me importava com o sorvete, mas queria saber do que ela gostava. Pessoas eram interessantes, aquela em especial? Muito. Até demais além da conta. E foi nesse instante que ela explicou um pouco mais de si e, caramba, eu tinha razão, a mulher fazia de tudo, mas de um jeito sensacional, pelo visto. Nem me importei em deixar claro o quanto estava impressionada. “Cajá, essa é nova!” Foi o que disse, no meio, mas ao final já estava muito surpresa. – Uau, isso sim é intimidador. Como você tem tempo pra tudo isso? Eu mal me organizo estando em um só time. – Observei-a, curiosa de verdade com a vida dessa mulher que estava a minha frente. Ela ia além de gata e excelente jogadora de quadribol, pelo visto. Era uma humanitária. E fazia de tudo.
– Na verdade não… Mas não precisa se preocupar, não é em cajá que estou interessada agora. – Sorri outra vez, eu continuaria deixando claro meu interesse, e aí? Ri um pouco, então, do lance da colherada. Ok, talvez eu estivesse, entre aspas, ajudando ela a se tornar alguém mais relaxada. Ou não. Vai ver era só um lado de sua personalidade, um lado bem legal, que minha irmã não conhecia e nunca foi capaz de contar sobre. Que bom que eu estava conhecendo. – Outra frase dessas e vou achar que você tá mesmo dando em cima de mim. – Tranquila, como sempre, e então tentei uma abordagem mais normal(?), por assim dizer. – Claro que tem, gata. Se não tem, devia começar a ter. Olha, não vou dar de terapeuta, mas até eu acho tempo pra me divertir. Agora, por exemplo.... aprendendo sobre cajás e dando em cima de uma mulher bem gostosa. Viu? – Dei de ombros. Era a mais pura verdade. Grandes momentos compunham a vida, sim, e eram maravilhosos, mas aqueles pequenos? Aqueles que poderiam, ou não, ficar para sempre? Esses sim eram imperdíveis. Quem diria que terminaríamos assim, juntas numa loja de sorvete? Mas lá estávamos, graças a ousadia de ambas.. eu gostava disso.
– Eu posso. Isso aqui tá mesmo gostoso, então vou comprar pra mim também. – Ri, relaxada. Ela parecia quase uma criança, com a ingenuidade, apesar do corpo e tudo o mais. Ok, estava começando a achar que, de verdade, Raizel era uma pessoa divertida, que me sentia bem estando por perto. Talvez, se eu me tornasse alguém que me controlasse com alguma facilidade, pudéssemos ser amigas também. Vai saber, né? – Certeza? Não quero atrapalhar sua felicidade fazendo com que tenha menos sorvete. – Pisquei, soltando outra risada. Já tinha acabado com o meu, mas não ligava. – Eu nunca pensei muito nessas coisas, de ONG, lugares que precisam de ajuda, etc... nunca tive tempo, sabe? Sempre amei quadribol. Assim que consegui permissão para entrar num time, eu fiz um teste e passei. Ainda estou meio maravilhada que ninguém percebeu que sou eu, apesar de quase achar isso insultante. – Mudei o assunto, pensativa. Brinquei no final, sim, mas todo o resto era verdade. Com as pressões de meu pai e minhas preocupações com as incapacidades mágicas, minha vida sempre foi corrida treinando, lutando, sangrando, tentando ser a melhor. Nunca tive tempo para o mundo trouxa, a não ser que estivesse escondida.
– Mas isso é incrível, gata… de verdade. Acho que você é uma das pessoas mais, você sabe, “íntegras e bondosas” que eu já conheci. Claro que ajuda que você é extremamente gata e eu ainda quero te levar pra cama – pisquei, não dava parar parar, mas agora meu tom era muito mais amigável, muito mais leve, deixando claro que apesar da vontade e apesar de não estar mentindo, nunca seria algo forçado –, mas, de verdade, não esperava que fosse assim. E olha que eu não sou nenhum exemplo de pessoa… O máximo que já contribuí com a sociedade foi criando algumas jogadas legais para o quadribol. – Reclinei-me na cadeira, pensativa, ainda a observando com certo cuidado. Estávamos nós duas ali, nos divertindo, da maneira mais incrível e estranha possível, e eu nem ligava mais em perder meu tempo. Tudo bem.
Espero que goste, gata <3 Sorry pelo jeito da Rae, um pouco direta demais, né?