Se alguém perguntasse diretamente sobre minha infância e chegasse a certo ponto da conversa em que eu precisasse responder se algum dia me sentira solitária, seria provavelmente o ponto mais complicado. Isso porque passei desde meu nascimento sendo rodeada por pessoas, desde mordomos, faxineiros, cozinheiros, babás, criadas, criadas pessoais, professores, minha própria família. Desses tantos, poucos eu sentia que estavam do meu lado; e com isso quero dizer que se importavam verdadeiramente comigo. Meu pai, por exemplo, era alguém que se importava, mas sempre se mantinha longe. Tinha aquela áurea misteriosa e distante, mesmo que fosse me apoiar em tudo que eu desejasse. Minhas irmãs, principalmente Laet e Noëlla pareciam se importar, também, todavia não corria até elas para contar tudo que acontecia comigo. E por mais que eu adorasse a companhia dos cozinheiros e faxineiros, eles eram "baixos demais" para estarem comigo. Já as criadas se importavam mais com seus empregos e os mordomos, bem... estes tinham dores de cabeças o suficiente para um ano inteiro sem a minha interferência. E, para finalizar, o pessoal da mídia; sobre esses eu não preciso citar, muito menos comentar.
O que quero dizer é: passei a infância/adolescência rodeada de pessoas. Mesmo assim, nunca houvera uma em que eu quisesse correr para contar o que acontecia, ou contasse todos os meus segredos, alguém a qual me apoiasse ou que pedisse ajuda quando fosse necessário. Quando eu me machucava, dizia que estava tudo bem e dispensava quem quisesse me ajudar, seguindo meu caminho, mesmo que fosse muito difícil, para a enfermaria ou a um lugar onde pudesse me curar. As peças eu pregava sozinha, com algumas interferências de Noëlla ─ mas a maioria era sempre eu ─, e também era sempre eu quem recebia a culpa. Podia pensar em outros mil exemplos, mas a mensagem sempre seria clara. De qualquer forma, nunca me senti realmente sozinha. Sempre fora governada pela independência e a solidão, para mim, era algo relativo. Se estivesse sozinha, mas me sentindo bem, então não significava necessariamente que estava solitária. Eu tinha a mim, oras, com todas as minhas qualidades e defeitos. Com toda minha criatividade e credibilidade. Isso, por si só, não deveria ser mais do que suficiente? Também, nunca senti falta de algo mais.
E então, aos dezessete anos, veio aquela viagem por um ano e meio, contrariando tudo que minha mãe desejava. Não me senti sozinha naquela viagem, também, mas conheci muitas pessoas cujos rostos aos poucos sumiriam de minha mente, não fossem os milhares de retratos e o pequeno diário que cultivara naqueles 18 meses. Conhecera o mundo, praticamente, ou pelo menos a parte dele que eu queria. Compreendi novas culturas e alimentos, meus olhos passaram a conhecer muitas pessoas e paisagens diferentes, além de toda uma bagagem não concreta que nem mesmo o objeto mais caro do mundo poderia alcançar o mesmo valor.
Podia sentir uma espécie de solidão emanando daquela menina sentada a uma distância tão curta. No entanto, não a conhecia, e não queria formar conjunturas sobre alguém que poderia ter todo tipo de história distinta a contar. Esperar o inesperado parecia ser uma boa forma de pensar e era assim que eu gostaria de pensar sobre aquela menina enquanto ainda não a conhecesse. ─ Acho que posso lhe acompanhar na cerveja amanteigada. ─ Respondi, num tom animado, meus olhos se prendendo rapidamente sobre seu sorriso, analisando-o de forma tão rápida que talvez ela nem tivesse percebido. Era um sorriso falso; conhecia aquele tipo de sorriso, ou pelo menos aprendera a conhecer com tantos eventos sociais a qual era forçada a ir e situações chatas/constrangedoras que acabava me metendo com a ajuda de meu gênio rebelde. Mas não era um sorriso totalmente infeliz. Era mais como se ela não tivesse motivos para sorrir e mesmo assim quisesse passar uma boa impressão. Peguei-me então pensando que seria bom se aquele sorriso fosse verdadeiro. Meu instinto protetor mantendo-se em minha mente, talvez. Não era a primeira e não seria a última vez que ele iria se fazer presente ─ se eu estivesse certa ─, caso mantivesse em contato com aquela loira.
─ Desculpe, queria tanto um lugar que acabei me esquecendo dos bons modos. ─ E só quando pronunciei que percebi a ironia daquela frase. Não era eu quem vivia matando as aulas de etiqueta? ─ Sou Harvey A... Esquece, meu nome é grande demais. Só Harvey está bom. Também é um prazer, Violette. ─ Sorri, realmente animada e feliz por conhecê-la, apesar de não ter motivos reais para isso. É, apesar de toda a independência, eu era mesmo alguém que gostava de conhecer pessoas novas. Mais e mais histórias. Agora meu tom estava bem mais leve, não tão hesitante, uma espécie de confiança que costumava me acompanhar aos poucos voltando para minha voz. ─ Pra dizer a verdade faz dois anos que eu não estudo. Eu fui de Beauxbatons, na casa da Mélusine, conhece? E hoje em dia trabalho como zeladora em Durmstrang, só que tenho folga nos fins de semana, por isso estou aqui. ─ Não era realmente comum falar sobre meus estudos e emprego para alguém que mal conhecia, mas... por que não? Ela parecia triste, sozinha, seria bom tirar um pouco seus pensamentos do que quer que estivesse acontecendo.
Isto é, também sentia vontade de perguntar, mas se eu mal a conhecia, como questionar sem assustá-la? Seria muito melhor manter a conversa por algum tempo e então dizer o que eu estava pensando verdadeiramente. ─ Não conheço Hogwarts muito bem, mas imagino que você seja de lá. Estou certa? ─ Observei com o canto dos olhos que Rosaleen vinha em nossa direção, carregando o copo de cerveja amanteigada, todavia ainda estava um pouco longe e mantive meu olhar sobre Violette, prestando atenção no que dizia, minha face denunciando que estava curiosa ante a menção dos religiosos. ─ Religiosos? Não estou sabendo, estive longe do universo bruxo por vários meses e acabei nem conferindo o jornal, imaginando que deve ser algo grandioso para ser citado no Lumus. O que aconteceu? ─ Tudo bem, fazia vários meses desde o fim de minha viagem, mas estive ocupada com tanta coisa que acabei deixando de lado as notícias sobre os bruxos. A maioria das coisas importantes eu escutava aqui e ali, por isso não me sentia tão perdida. Agora, na verdade, estava era me sentindo mal por ter perdido uma coisa importante sobre a escola que tanto amava.
Para completar, sua explicação foi como um soco no estômago. Minha expressão não escondeu aquilo, foi até difícil virar meus olhos para escutar o que Rosaleen dizia, trazendo a bebida. ─ Obrigada, dona Rosaleen. Aqui está. ─ Sorri, marota, um pouco forçado pelo que tinha ouvido, oferecendo alguns galeões e dirigindo minhas mãos à borda do copo. ─ Isso é simplesmente terrível. Merlin sabe o quanto é terrível tirar a liberdade de alguém. Esses religiosos, eles não... não machucaram algum aluno, certo? ─ Se tivessem machucado mesmo algum aluno, então eu adoraria ter estado lá com a minha varinha para, no mínimo, torturá-los. Bem, machucaram. E pelo visto seriamente, pela palavra que usara. ─ Juro, se eu fosse aluna naquela época, aqueles religiosos iriam se ver comigo. Eu costumava ser bastante encrenqueira, apesar de nunca causar mal para alguém, e não dava a mínima para quebrar as regras. Provavelmente acharia um jeito de me divertir às custas deles. ─ Não que fosse um orgulho o fato de eu quebrar regras, mas algumas eram realmente desnecessárias, e pelo visto havia muitas desnecessárias nos tempos de "ditadura".
A conversa aos poucos passou a um tom mais leve, e não consegui controlar a risada com sua fala, realmente achando divertido o que ela dissera. ─Pode ter certeza que eu teria me voluntariado a esse beijo, e ainda teria feito com que mais de um religioso visse. ─ Não era algo que deveria ser dito levando em conta minha posição como zeladora, mas idaí? Ela não estudava em Durmstrang, de qualquer jeito, não parecia algo que me traria problemas. ─ E por que você foi expulsa? Se quiser falar, claro. ─ O que veio a seguir me deixou verdadeiramente feliz, por mais que eu só a conhecesse fazia o quê?, dez minutos? Ela não só sorriu, um daqueles sorrisos que era fácil perceber que eram verdadeiros, como também parecia muito mais animada ao falar. ─ Pois é, também acho. E, sinceramente? Teria sido expulsa na semana seguinte a quando esses religiosos apareceram. Acho que você fez o certo, Violette. Mas então, o que tá achando de Hogwarts? Espero que a escola também não tenha passado, ou esteja passando, por problemas, porque aí seria muita falta de sorte.
Harvey definitivamente não sabe brincar de ser adulta -q E eu adorei esse post, gente *-* Tá lindo! <3