Com o rosto grudado nos vitrais da janela, Eric observava as outras crianças do orfanato brincarem com a neve recém depositada em Lyon. Segundo o noticiário matinal, o qual o garoto viu uma das freiras ver, o dia poderia ter uma mínima térmica de quase -3 °C! Os órfãos do Sainte Thérèse de Carmel nunca tinham enfrentado um inverno tão rigoroso como aquele, muitos sequer tinham roupas suficientes para se agasalhar. Por sorte, Eric tinha conseguido galeões suficientes para seu material escolar e uniforme, sobrando um pouco para trocar por euro e comprar roupas em pequenas lojas de Lyon. Estaria agasalhado por um bom tempo. Infelizmente, as paredes do dormitório não facilitavam em nada a vida do garoto. O cômodo estava tão frio que talvez do lado de fora do casarão estivesse mais confortável. Vencido pelas adversidades climáticas, Eric deixou o quarto, atravessando o longo corredor até outro menor. Lá, ele puxou uma corda que descia do teto, fazendo com que uma escada de pequenos se revelasse. Era o sótão. O bruxo subiu-a, fechando a passagem e apagando os últimos resquícios de luz. Ele puxou a varinha muito bem escondida entre as vestes. — Lumus! — Disse, quase sussurrando, fazendo com que um pequeno feixe de luz se propagasse da ponta do artefato mágico. Com um pouco de iluminação, o garoto começou a procurar o seu malão com as coisas do colégio. Eram as condições da madre superiora, a senhora Prewett! Ela era a única que conhecia os dons de Eric naquele orfanato, os repudiava e determinou que apenas o aceitaria de volta durante as férias se ele evitasse qualquer tipo de contato com a magia. Era óbvio que, sempre que podia, o mélusino fugia das atividades diárias para subir até o sótão para praticar algum feitiço ou fazer uma das atividades de férias. Depois de alguns minutos, o garoto finalmente encontrou seu malão acinzentado. Em uma das laterais estava grafado “Eric Hainsworth”, fazendo referência ao sobrenome da família que o tinha adotado muitos anos atrás, devolvendo-o quando ele começou a apresentar os primeiros sinais de seu sangue mágico. O senhor e a senhora Hainsworth tinham sido importantes para o garoto, mas no tempo presente não significavam mais nada! Livre de remorsos, o bruxo abriu sua bagagem, revelando algumas roupas e uma infinidade de livros sobre magia. Os mais perceptíveis eram oIntrodução a Magia Básica de Decrois e M. Louds e o Compêndio de Tranfiguração de Matilde Tatcher. Eric enfiou a mão entre os dois e retirou um rolo de pergaminho, um recipiente com tinta e duas penas de escrita. Ele já tinha aberto o tinteiro e molhado a ponta da pena quando um baque surdo anunciou a aproximação de alguém no corredor lá embaixo. Ele ficou estático por alguns segundos. Pronunciando o contrafeitiço Nox, ele “desligou” o feixe de sua varinha, devolvendo tudo para o malão. Ou quase tudo. No desespero, Eric acabou deixando o tinteiro cair, abrindo-se e espalhando tinta por todo o assoalho. — Grande Eric! Da próxima vez você derruba esses quadros — Ele aponto para um conjunto de retratos encostados na parede — e chama mais atenção ainda! — O garoto tentou limpar a tinta com a sola do sapato, espalhando o líquido mais ainda pelo piso. — Droga! — O francês se escondeu atrás de um armário com um relicário de antigo sobre. O alçapão se abriu e, instantaneamente, o bruxo sentiu uma nova respiração no local. Deveria ser uma das freiras que cuidam do orfanato. Por sorte, a bisbilhoteira sequer entrou no sótão, fechando novamente a entrada. Eric se arrastou até o chão, expirando de alívio. Aquilo era um anúncio. Deveria evitar visitar seus pertences quando estivesse ali.