Narração
- Falas
_Falas alheias
"Pensamentos"
*Feitiço*
Flashback
[OFF]
Capítulo 01
Sentia seu corpo pesar; a mente de Kamus teimava em causar-lhe
insônia com aquelas teorias. Dentre os importunos havia aquela declaração que jamais
lhe passara pela cabeça, aquela feita pelo próprio pai que consistia em dizer-lhe que
não era seu pai. Porém isso nunca fizera diferença, Joseph nunca fora um pai para aquele
menino, no fundo carente, que nunca sequer fora defendido ou protegido por ele. A
diferença era que, agora, sabia o porquê.
Sua teimosia, porém, era tentar entender o que sua mãe, aquela bela japonesa “santa”,
queria ao esconder-lhe isso. Sem dizer que nunca sequer poderia pensar na mãe traindo
alguém, e nascera quando Aiko e Joseph já estavam há três anos casados.
Olhava a sombra que seus ursos de pelúcia, todos já gastos pelo tempo, emanavam.
Pareciam seres sobrenaturais que dançavam ao redor de uma fogueira, com um tempo
reparava-se o quanto pareciam reais, e o quanto olhavam para ele, que se contorcia na
cama com seu pijama azul, tal como quase tudo naquele quarto.
Se lhe perguntassem há duas semanas o que sentia pela mãe, responderia sem dó, ódio.
Mas agora pensava bem, com calma, pois se sua mãe lhe ocultara aquilo, e agora tinha
certeza de que escondia mais, ela tinha uma boa razão. A moça, que Kamus nunca vira
mentir, sempre colocava as paixões em primeiro lugar, mulher tola, mas que jamais
pensaria em si mesma ao ocultar um fato como aquele.
À mesa de cabeceira apoiava-se um livro intitulado “Quatro”, um suspense japonês em
que o protagonista via-se preso emocionalmente à amada, de tal forma que precisou
matá-la para prosseguir a vida. A idéia principal do livro era apresentar aos leitores a
enigmática dos sentimentos humanos, levantando questões como o fino limite que separa
amor de ódio. O escritor morreu pouco após acabar o livro, assassinado pelo próprio filho.
Porém se enquanto vivo ninguém entendera a mensagem, Kamus gostaria de dizer-lhe que
pelo menos alguém entendera depois.
Erguera a cabeça. Podia jurar que ouvia passos no corredor, tão brutos que não poderiam
ser de sua mãe, mas não via um feixe de luz passar pela porta, o que indicava que ninguém
ligara a luz para passar pelo corredor. Descansou novamente a cabeça no travesseiro.
Ouviu-se o baque de uma porta a fechar. Kamus levanta, rapidamente, e abre a porta.
Aquele homem, maldito e sem coração, contornava o fim do corredor, rumando para a escada.
Kamus não entendera, de início, porque não ligara a luz, mas não era curioso, e burro, o bastante
para segui-lo ou mesmo investiga-lo, preferiu voltar para a cama.
Se existira algo em que o garoto daria a vida para não fazer, era aquilo.
Olhava para a lareira, antiga, daquelas à lenha. Toda a casa era de uma beleza rústica e, ainda
que fosse infantil, seu quarto não deixaria de ser. Pensava agora naquele homem, ainda sonhava
em um mundo sem ele, onde teria apenas ele e sua mãe, debaixo de uma macieira cantando. Sem
se importar com o futuro ou com que os outros achariam, apenas cantando, até que a mãe desse
o último suspiro...
- Joseph?!
Sua mãe falava do quarto do primeiro andar, no meio da madrugada, logo após gritava, como se
sentisse uma dor, a maior de sua vida.
Kamus levanta quase mecanicamente, porém escorrega em um patinho de borracha. O menino não
era descuidado, mas ouvir sua mãe gritar não era normal, pois nunca fora daquelas que tem medo de baratas.
Ele finalmente se levanta, liga a luz do corredor, desce as escadas e sai, em desatino, em destino ao som.
Sua mãe ainda gritava. Algo realmente estava acontecendo.
Viu um vulto andar, quase deslizar, na direção contrária. Sentia um aperto no coração. Olhou para a
porta do quarto. Sentia o coração congelar. Correu para ela, viu sua mãe, sua linda mãe, tomada por
sangue, que escorria rapidamente lhe correndo o corpo. Sentiu-se fraquejar, suas pernas estavam bambas,
suas mãos se congelaram também. Sentia um fragmento de sua alma se esvair, aos poucos, nos segundos
que ficara lá, em pé, olhando a figura de sua mãe, chocado.
Voltou à realidade, no fundo achava que era um sonho, mas não era. Correu para a cama onde
sua mãe estava deitada, tomou-a pelos braços, não tinha palavras para explicar o que queria lhe dizer.
Não sabia o que fazer, sentia uma mistura de todos os sentimentos que já lhe passara o coração.
Em sua face notava sua angústia e desespero.
- Mãe...?!